Disponível para utilização hospitalar medicamento português constituído por células estaminais para tratar doentes graves com COVID-19
Medicamento experimental à base de células estaminais expandidas está concluído, primeiro lote pronto a utilizar
A Crioestaminal, laboratório de criopreservação líder em Portugal e um dos maiores da Europa, anuncia a conclusão do desenvolvimento do medicamento experimental (SLCTmsc02) à base de células estaminais do cordão umbilical expandidas para tratar doentes mais graves com infeção por SARS-CoV-2. A produção das primeiras doses deste medicamento, abre caminho para sua utilização como tratamento experimental em contexto hospitalar.
O medicamento experimental é constituído por doses de 100 milhões de células estaminais mesenquimais (MSCs, na sigla inglesa) do tecido do cordão umbilical. Foram produzidas, até ao momento, as primeiras doses deste medicamento inovador, submetidas aos necessários controlos de qualidade, que permitiram a validação de todo o processo e a qualificação do mesmo como terapia experimental a ser testada em doentes com COVID-19 em condição mais grave.
“O medicamento experimental surge como uma solução terapêutica para tratar doentes com COVID-19 em situação grave. A utilização deste tipo de células está já a ser testada noutros países com resultados muito promissores. Não podíamos deixar de tentar desenvolver este tipo de terapia em Portugal”, refere André Gomes diretor geral da Crioestaminal.
“Este medicamento experimental foi desenvolvido, em tempo record, na nova unidade de produção de medicamentos de terapia celular da Crioestaminal e é resultado do esforço e dedicação da nossa equipa de técnicos e investigadores altamente qualificados, ao longo dos últimos meses. Estamos neste momento em condições de produzir cerca de 2 dezenas de doses por semana, com a possibilidade de expandir a produção, se necessário.”, acrescenta.
A utilização deste tipo de células para tratar doentes com pneumonias graves associadas à COVID-19 tem vindo a ser testada na China, EUA e alguns países europeus, estando em curso mais de 20 ensaios clínicos para estudar de forma alargada a segurança e eficácias desta terapia.
Resultados de estudos clínicos recentes revelaram uma reversão notável dos sintomas, com melhoria significativa da função pulmonar e de outros sintomas dos doentes em estado mais grave, com redução do tempo de internamento em cuidados intensivos. Apesar de estes estudos terem sido conduzidos num número ainda restrito de doentes, os resultados favoráveis obtidos sugerem que as MSCs do tecido do cordão umbilical podem constituir uma nova estratégia terapêutica para o tratamento desta doença.
Este medicamento experimental tem ainda outras aplicações na área da regulação do sistema imunitário, nomeadamente no tratamento de doentes transplantados com medula óssea que desenvolvam uma forma grave da doença do enxerto contra o hospedeiro. Neste contexto, o uso do SLCTmsc02, no âmbito de isenção hospitalar, foi já autorizado pelo INFARMED para aplicação clínica no IPO de Lisboa.
A nova unidade de produção da Crioestaminal, inaugurada já este ano, no Biocant Park, em Cantanhede, veio permitir não só a produção deste medicamento experimental, como outros para ensaios clínicos e terapias experimentais em diversas áreas da Medicina, com a possibilidade de integração em consórcios internacionais na área das terapias celulares. A unidade de produção de medicamentos de terapia celular é composta por três salas que cumprem os padrões exigidos pela norma ISO 14644 e pela diretiva GMP – Good Manufacturing Practice, e permite a produção, preparação e manuseamento de produtos médicos ou biotecnológicos para uso humano. O projeto, que representa um investimento de 1 milhão de euros e pretende ser referência na Europa, tem como objetivo a produção deste tipo de medicamentos e a exploração do potencial terapêutico das células estaminais, quer das células estaminais mesenquimais do tecido do cordão umbilical, em doenças autoimunes, quer das células do sangue do cordão umbilical na área da pediatria do desenvolvimento.
Sobre as MSCs:
As MSCs têm sido amplamente testadas em terapia celular para o tratamento de várias doenças (Fan et al., 2020). A segurança e eficácia da sua administração têm sido claramente documentadas em muitos ensaios clínicos (Lalu et al., 2012), especialmente em doenças inflamatórias com envolvimento do sistema imunitário, como a Doença do Enxerto contra o Hospedeiro (Hashmi et al., 2016) e o Lúpus Eritematoso Sistémico (Kamen et al., 2018). Admite-se que as MSCs desempenhem o seu papel principalmente de duas maneiras: através da capacidade de diferenciação e de efeitos imunomoduladores (Galipeau & Sensebe, 2018). A capacidade de diferenciação poderá permitir reparar tecidos lesados, enquanto o seu efeito imunomodulador, que advém do facto de as MSCs serem capazes de libertar moléculas anti‑inflamatórias ou interagir diretamente com células do sistema imunitário, pode levar à regulação da atividade deste sistema. Para além disso, os efeitos imunomoduladores das MSCs são ainda desencadeados pela ativação de um recetor destas células (TLR, de Toll-Like-Receptor), que é estimulado por moléculas associadas a agentes patogénicos, como vírus de RNA de cadeia dupla, como o SARS-COV-2 (Waterman et al., 2010; Li et al., 2012).
O tecido do cordão umbilical constitui uma das melhores fontes de MSCs. Este pode obter‑se através de um procedimento de colheita simples, indolor e inócuo e as células dele isoladas, por serem muito jovens e imaturas, são capazes de se multiplicar mais rapidamente do que MSCs de outros tecidos (Ding et al., 2015). Para além disso, a capacidade imunomoduladora das MSCs do tecido do cordão umbilical tem sido demonstrada e documentada em vários estudos baseados na aplicação destas células em humanos (Can et al., 2017).