Sangue do cordão umbilical administrado a recém-nascidos com encefalopatia neonatal
Ao longo dos anos têm vindo a ser procuradas novas estratégias para tratar encefalopatia hipóxico-isquémica (EHI) neonatal, uma disfunção neurológica que ocorre em recém-nascidos devido à interrupção do normal fornecimento de sangue e oxigénio ao cérebro antes, durante ou logo após o nascimento. Atualmente, a única modalidade terapêutica comprovadamente eficaz no tratamento da EHI é a hipotermia terapêutica, que consiste em baixar moderadamente a temperatura do recém-nascido durante 72h, seguida de um reaquecimento progressivo. Ainda que este tratamento ajude a conter os danos neurológicos provocados pelo episódio de hipóxia-isquémia, estima-se que cerca de 40% dos recém-nascidos com EHI não sobreviva ou sofra lesões neurológicas permanentes.
Embora, em modelos animais, várias terapias celulares tenham obtido bons resultados neste contexto, atualmente a administração de células do sangue do cordão umbilical autólogo (do próprio) é considerada a possibilidade mais viável para o tratamento de recém-nascidos com EHI. A facilidade de obtenção das células, sem quaisquer implicações éticas, a simplicidade de preparação e a segurança que têm demonstrado em estudos pré-clínicos e clínicos são fatores que pesam favoravelmente no sentido de trazer esta opção de tratamento para a prática clínica.
Ensaio piloto atesta segurança do sangue do cordão umbilical no tratamento de EHI neonatal
Recentemente publicado na revista Scientific Reports, um estudo piloto realizado no Japão reportou a exequibilidade e segurança da administração de sangue do cordão umbilical autólogo a recém-nascidos com EHI neonatal. No estudo foram incluídos seis recém-nascidos de termo, com idade gestacional superior a 38 semanas, que, por diversos motivos, sofreram episódios de hipóxia-isquémia, caracterizados pela redução do fornecimento de sangue e oxigénio ao cérebro. O sangue do cordão umbilical foi colhido durante o parto, processado em laboratório e posteriormente administrado em três momentos durante as primeiras 72 horas de vida. Adicionalmente, todos os bebés foram tratados de forma convencional recorrendo a hipotermia terapêutica, iniciada nas primeiras 4 horas após o nascimento. Não se observaram efeitos adversos atribuíveis ao tratamento com sangue do cordão umbilical, tendo o procedimento sido considerado exequível e seguro. Aos 10 dias de idade, já nenhum dos recém-nascidos tratados apresentava convulsões, nem necessitava de vasoconstritores ou suporte respiratório. A medida primária de sucesso do tratamento definida para este estudo, que combinava a ausência de suporte cardíaco, respiratório e de mortalidade aos 30 dias de vida, foi atingida em todos os casos. As medidas secundárias de sucesso do tratamento incluíram o estudo neurológico por ressonância magnética nuclear e a avaliação do neurodesenvolvimento das crianças aos 18 meses. Quatro das seis crianças revelaram normal desenvolvimento ao ano e meio de idade, não demonstrando quaisquer sequelas de EHI. Nas restantes duas, o estudo por ressonância magnética nuclear revelou lesões neurológicas nas primeiras semanas de vida, que se mantinham aos 18 meses, coincidentes com alterações no normal desenvolvimento destas crianças. Ambas foram diagnosticadas com paralisia cerebral, moderada num dos casos e, no caso mais severo, associada a um profundo atraso no desenvolvimento.
Este estudo piloto pretendeu demonstrar a exequibilidade e segurança do tratamento de recém-nascidos com EHI utilizando sangue do cordão umbilical do próprio, em conjugação com o tratamento convencional por hipotermia, podendo servir de base para o desenvolvimento de futuros ensaios clínicos com maior número de doentes para avaliação da eficácia desta abordagem terapêutica.
Referência:
Tsuji M, et al. Autologous cord blood cell therapy for neonatal hypoxic-ischaemic encephalopathy: a pilot study for feasibility and safety. Sci Rep. 2020. 10(1):4603.