Células estaminais do cordão umbilical como possibilidade de tratamento na paralisia cerebral
Paralisia Cerebral é o nome dado a um grupo de doenças que afetam maioritariamente o movimento, o equilíbrio, a postura e funções motoras. É causada por complicações que ocorrem antes do nascimento, durante ou após o parto e comprometem a função neurológica do bebé/criança. Por esta razão, os doentes com paralisia cerebral podem ainda manifestar outras patologias, entre as quais epilepsia ou disfunções músculo-esquelética, cognitiva, de comunicação ou de comportamento. Os sintomas começam a manifestar-se no início da infância e permanecem até ao fim da vida1.
Estima-se que a paralisia cerebral afete entre 0,15% e 0,25% pessoas nos países desenvolvidos. Em Portugal, os estudos mais recentes apontam para uma incidência de 0,155%.2
Atualmente, o tratamento da Paralisia Cerebral envolve fisioterapia e reabilitação generalizada, bem como a utilização de diferentes medicamentos, direcionados aos sintomas manifestados. Apesar destes tratamentos conseguirem proporcionar, por vezes, algum alívio dos sintomas, existe uma procura ativa por novas alternativas que permitam melhorar as capacidades motoras e a qualidade de vida das crianças com paralisia cerebral. Neste sentido, a utilização de células estaminais tem manifestado versatilidade e potencial significativos, nos mais de 250 estudos já desenvolvidos em diversas áreas, evidenciando-se assim como uma opção promissora no tratamento da Paralisia Cerebral.
Estudos anteriores sugerem que o efeito terapêutico das células estaminais mesenquimais (MSC) assenta na capacidade de migração para as áreas do cérebro afetadas e posterior diferenciação em células funcionais, capazes de interagir com células danificadas e de promover a regeneração da área da lesão. Outros mecanismos de ação associados a estas células incluem a capacidade anti-inflamatória e angiogénica (formação de novos vasos sanguíneos). Pela variedade de mecanismos potencialmente benéficos, e por não terem sido descritos efeitos secundários significativos, a utilização de MSC representa uma perspetiva terapêutica promissora, não só em casos de Paralisia Cerebral como também em vários outros casos de doenças neurológicas.
Avaliação da eficácia e segurança da aplicação de msc em doentes com paralisia cerebral
Um artigo publicado na revista científica World Journal of Clinical Cases divulga os resultados de um ensaio clínico de fase I, realizado em crianças com Paralisia Cerebral. As 4 crianças, com idades compreendidas entre os 1 e 9 anos, apresentavam elevado grau de incapacidade (nenhuma delas conseguia manter-se de pé ou caminhar sem auxílio), estando totalmente dependentes de um cuidador.
No âmbito deste ensaio clínico, todos os doentes receberam um total de 6 infusões de MSC alogénicas (células provenientes de dadores) do tecido do cordão umbilical, administradas por via intratecal (diretamente no fluido espinal), intravenosa e intramuscular. As crianças permaneceram no hospital durante um dia após a infusão, tendo ficado em repouso nos dois dias seguintes. Três dias após as infusões, foram iniciados tratamentos de fisioterapia intensiva e programas de exercícios posturais, realizados três vezes por semana.
As crianças foram acompanhadas periodicamente após as infusões, para avaliação da eficácia do tratamento (após 1 semana, 1 mês, 2 meses, 4 meses e 12 meses). Foram realizadas avaliações neurológicas e funcionais nos diferentes momentos, tendo sido verificada uma melhoria significativa da rigidez muscular e na função motora. Esta recuperação foi mais evidente 12 meses após a infusão com MSC do tecido do cordão umbilical, e não foram verificados quaisquer efeitos adversos durante este período.
Os resultados deste ensaio clínico, ao nível da rigidez muscular e função motora, são compatíveis com estudos anteriores que mostram efeitos benéficos da administração de MSC. Outros estudos com maior número de doentes registaram ainda melhorias na capacidade cognitiva após as infusões com MSC. Assim, e apesar dos resultados promissores, este tema carece ainda de investigação mais profunda, no sentido de se poderem alcançar evidências mais sólidas dos efeitos benéficos deste tipo de terapia, para que possa vir a ser usada em tratamentos na prática clínica.
1 Boyalı, O. et al. (2024). Allogeneic mesenchymal stem cells may be a viable treatment modality in cerebral palsy, World Journal of Clinical Cases, 12(9), 1585–1596. https://doi.org/10.12998/wjcc.v12.i9.1585
2 https://www.appc.pt/sobre-a-paralisia-cerebral/, visitado em 25 de setembro de 2024