A co-infusão de células estaminais mesenquimais melhora o resultado dos transplantes de sangue do cordão umbilical
As células estaminais do sangue do cordão umbilical (SCU) são conhecidas pela facilidade de utilização após criopreservação, menor exigência de compatibilidade entre o dador e o doente (quando comparadas com outras fontes semelhantes, como a medula óssea), e pela sua capacidade de reconstituir todas as células do sangue, sendo utilizadas no tratamento de mais de 90 doenças. Contudo, existem algumas limitações ao seu uso clínico, como o tempo entre a sua infusão e o efeito clínico (reconstituição hematopoiética), o que pode trazer complicações para os doentes imunologicamente comprometidos. O primeiro tratamento com células estaminais do SCU foi realizado em 1988, num doente com anemia de Fanconi. Desde então, o número de patologias que podem ser tratadas com células estaminais do SCU tem aumentado, de doenças do foro hematológico, como leucemias e linfomas, a outras áreas (ainda em contexto experimental), como o autismo e a paralisia cerebral. Após mais de 60.000 transplantes, persiste nas comunidades médica e científica um esforço no sentido de reduzir as limitações da utilização de SCU, e uma das metodologias mais promissoras é a infusão de células estaminais mesenquimais, em paralelo com o SCU.
As células estaminais mesenquimais (MSC, do inglês mesenchymal stem cells) podem ser encontradas em diferentes tecidos adultos, tais como a medula óssea, o tecido adiposo, ou o tecido do cordão umbilical. Estas células têm capacidade de diferenciação em células de osso, tecido adiposo e cartilagem, entre outras. Além disso, o uso clínico baseia-se na sua capacidade de apoiar e facilitar o enxerto hematopoiético, e no seu efeito modulador do sistema imunitário. Um estudo publicado na revista científica Current Research in Translational Medicine visou testar a segurança e eficácia da utilização conjunta de SCU com MSC, no sentido de melhorar os resultados dos transplantes de SCU.
Infusão conjunta de SCU e MSC é segura e reduz o tempo de enxerto
O estudo descrito é um ensaio clínico de fase I/II que teve como objetivo a determinação da viabilidade, segurança e eficácia da transplantação de SCU quando co-infundido com MSC de um dador, em doentes com doenças hematológicas (maioritariamente com leucemia mieloide aguda). A avaliação da segurança foi determinada pela interpretação da mortalidade relacionada com o tratamento (MRT) 100 dias após o mesmo. Foram ainda avaliadas as taxas de recuperação hematológica, recuperação imunológica, ocorrência (ou não) de doença do enxerto contra o hospedeiro, e o desenvolvimento de infeções e/ou recaídas. Os 11 doentes envolvidos neste ensaio foram sujeitos a quimioterapia e radioterapia antes das infusões de células estaminais. As MSC, obtidas de medula óssea de dadores não relacionados, foram administradas aos doentes uma hora antes da infusão de SCU. Foi avaliada a reconstituição imunológica e hematopoiética através da contagem de neutrófilos e de plaquetas, alguns dias após a co-infusão de MSC e SCU.
A MRT 100 dias após o tratamento observada neste estudo foi mais favorável quando comparada à de estudos anteriores. A velocidade de enxerto das células infundidas e a reconstituição do sistema imunitário são determinantes para a sobrevivência destes doentes, e os resultados apresentados neste estudo mostram que o tempo médio até à recuperação de neutrófilos e plaquetas foi de 16 e 27 dias (respetivamente), ou seja, menor do que o normalmente relatado após o transplante convencional de SCU. O facto de não se ter observado rejeição do enxerto parece indicar que a cotransplantação alogénica de SCU e de MSC da medula óssea acelera o enxerto das células estaminais hematopoiéticas e pode levar a um prognóstico mais favorável, sendo que apenas um dos 11 doentes desenvolveu doença do enxerto contra o hospedeiro. Os responsáveis do estudo sugerem que será preferível a cotransplantação de SCU e MSC, à infusão de apenas SCU.
Apesar deste estudo ter incluído um baixo número de doentes, os investigadores defendem que a transplantação de sangue do cordão umbilical continua a ser vantajosa aos dias de hoje, face à utilização de outras opções (transplantes de medula óssea haploidênticos ou não relacionados), que tendo resultados terapêuticos semelhantes, não são tão prontamente obtidas e aplicadas. O trabalho sugere assim a mais-valia da cotransplantação dos dois tipos de células estaminais, hematopoiéticas e mesenquimais, que permitiu a estes doentes ter um tratamento seguro e com recuperação hematopoiética mais célere. Segundo os autores, este estudo mostra que a co-infusão de MSC e SCU pode melhorar os resultados dos transplantes de SCU.
Referências
– Planken S, et al. Feasibility of co-transplantation of umbilical cord blood and third-party mesenchymal stromal cells after (non)myeloablative conditioning in patients with hematological malignancies. Curr Res Transl Med. 2024 Aug 17;72(4):103466. doi: 10.1016/j.retram.2024.103466.
– https://cord.memberclicks.net/assets/docs/Fact_Sheet%20Feb%202024.pdf, acedido a 04 de novembro de 2024